Deputado federal. Presidente do Partido da República no Rio Grande do
Norte. Um dos principais aliados políticos da governadora Rosalba
Ciarlini. Cotado para ser candidato a vice-governador na próxima
eleição. Acusado de praticar Caixa 2 no pleito eleitoral de 2010. Essas
são algumas das definições possíveis, neste momento, quando se trata do
potiguar João Maia. E a última característica é resultante de uma ação
do Ministério Público Eleitoral (MPE), que afirma ter certeza das
práticas irregulares do parlamentar na última disputa por vagas na
Câmara Federal e, por isso, pede na Justiça Eleitoral a cassação do
mandato dele.
A ação está na fase das alegações finais e O Jornal de Hoje teve
acesso com exclusividade a parte do processo. Nele, o Ministério Público
Eleitoral, por meio do procurador regional eleitoral Ronaldo Pinheiro
de Queiroz, que assinou a ação, pede a cassação de João Maia baseado na
“presença de indícios de que ele teria arrecadado recursos, bem como
realizado gastos, em prol de sua campanha de forma irregular e
clandestina”.
O procurador, porém, é bem mais direto do que isso durante a
construção de sua acusação. Segundo ele, “não há dúvida”, é
“inquestionável” a prática irregular durante a campanha. E, para essa
análise, considera duas conversas (transcritas ao lado) entre João Maia e
Flávio Giorgi Medeiros Oliveira, conhecido como “Flávio Pisca”,
assessor dele na campanha eleitoral de 2010.
As conversas foram extraídas, segundo o MPE, do notebook pertencente a
“Flávio Pisca” após busca e apreensão realizada em sua residência e
consequente perícia técnica empreendida pela Polícia Federal. A primeira
conversa foi registrada, conforme revelou o Ministério Público
Eleitoral, no dia 18 de outubro de 2010, e a outra, no dia 29 de outubro
do mesmo ano.
PRIMEIRA CONVERSA
Após a primeira conversa, como o MPE afirmou ver, João Maia “e seu
assessor ‘Flávio Pisca’, no dia 18/10/2010, procuram solucionar
pendências relativas a locação de veículos utilizados na campanha de
João Maia. Contudo, àquele época, conforme o próprio representado afirma
em sua defesa, os gastos com locação de veículos já estavam devidamente
quitados perante a empresa que segundo ele foi contratada para
centralizar todo o serviço de locação de veículos de sua campanha, qual
seja, a ‘HA Locação e Fretamento de Veículos Ltda’”.
Segundo o procurador regional eleitoral, “não restam dúvidas que os
R$ 100.000,00 referidos por Flávio Giorgi, que precisavam para ‘resolver
a questão das locações’ não era destinado a efetuar o pagamento da
empresa ‘HA’, mas sim saldar pendências como os veículos contratados
clandestinamente, ou seja, sem o registro dos respectivos gastos. Ainda
neste ponto, registre-se que o próprio ‘Flávio Pisca’ registra o caráter
irregular/ilegal desta dívida ao afirmar que o pagamento seria efetuado
‘por fora’”.
O procurador Ronaldo Pinheiro de Queiroz coloca que essa constatação
do MPE “vem de encontro” a planilha encontrada no computador de Flávio
Giorgi, “na qual consta o nome de várias pessoas, relacionados a números
de CPF/CNPJ, tipos/marcas e placas de veículos, bem com elevados
valores e forma de pagamento, além de números de contas correntes,
agências bancárias e outros”.
Segundo Ronaldo Pinheiro de Queiroz, “não há dúvida que o candidato ou o comitê financeiro de seu partido político contratou a empresa ‘HA locação de veículos Ltda’ para proceder a locação de veículos que seriam usados em sua campanha, tendo efetuado, para tanto, o pagamento àquela empresa no valor de R$ 205.127,00, pagamento este devidamente registrado nas respectivas prestações de contas”.
Segundo Ronaldo Pinheiro de Queiroz, “não há dúvida que o candidato ou o comitê financeiro de seu partido político contratou a empresa ‘HA locação de veículos Ltda’ para proceder a locação de veículos que seriam usados em sua campanha, tendo efetuado, para tanto, o pagamento àquela empresa no valor de R$ 205.127,00, pagamento este devidamente registrado nas respectivas prestações de contas”.
O procurador regional eleitoral ressalta também que além disso, “o
candidato realizou a contratação, de forma clandestina, sem declarar em
sua prestação de contas, vários outros veículos que de igual forma,
foram utilizados na sua campanha eleitoral, tendo, para tanto dispendido
a vultosa quantia de R$ 430.456,67, conforme evidencia a multicitada
planilha, ou seja, os gastos ilícitos com locação de veículos (R$
430.456,67) foram mais do que o dobro dos gastos lícitos com aquela
despesa (R$ 205.127,00)”.
SEGUNDA CONVERSA
Na segunda conversa telefônica entre João Maia e Flávio Giorgi,
segundo o procurador, a presença de ilicitude na arrecadação/gastos da
campanha “ganha contornos inquestionáveis”, colocando que o deputado
federal, “de fato, arrecadou e efetuou gastos de recursos de forma
clandestina”.
“E não é só, deixando ainda mais evidente a existência de realização
de gastos não declarados na sua prestação de contas, quase no fim do
diálogo o candidato/representado registra que primeiro quer resolver a
prestação de contas e somente depois resolveria as outras pendências, ou
seja, primeiro resolveria os gastos declarados e depois os gastos não
declarados. Induvidosa, portanto, a prática de ‘caixa 2’ no presente
caso”, afirma Ronaldo Pinheiro de Queiroz.
O procurador regional eleitoral ressalta na alegação final que “as
irregularidades comprovadas nos autos não podem ser tidas como
insignificantes para fins de aplicação da sanção prevista no artigo 30-A
da Lei número 9.504/97, pois só os valores dispendidos de forma
ilícita/clandestina, mais de R$ 400.000,00 – conforme se vê da planilha,
evidencia gravidade suficiente para ensejar a sanção de cassação do
diploma do representado”.
“Da mesma forma,o fato da prestação de contas do representado em
relação às eleições de 2010 terem sido aprovadas não repercute na
presente ação, tendo em vista que ambas (prestação de contas e a
representação por gasto ilícito de campanha) são autônomas, não
interferindo o julgamento de uma no destino da outra, conforme
entendimento pacificado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça”.
Dessa forma, segundo o procurador regional eleitoral, “diante da
comprovada e induvidosa omissão de gastos de campanha com veículos, cujo
financiamento se deu com recursos, repise-se, de considerável monta,
que não transitaram pela conta bancária específica do candidato,
configura-se a toda evidência a prática de captação e gastos ilícitos de
recursos para fins eleitorais, em razão do que ao parque eleitoral não
resta outra alternativa senão ratificar a pretensão inicial, requerendo,
assim, a condenação do representado”.
João Maia: “Arrume (o doador) e eu entrego o dinheiro”
O processo que pede a cassação de João Maia na Justiça Eleitoral não é
recente. Já passou por toda a fase de instrução, inclusive com a
apresentação da defesa de João Maia. E, conforme o procurador ressalta
em sua alegação final, o deputado já está ciente do assunto. Foi
notificado e, até já apresentou sua defesa por meio de documentos.
Sustentou que incorreu a alegada arrecadação, bem como gastos
clandestinos, pois os valores relativos à locação de veículos em prol de
sua campanha eleitoral foram adimplidos pelo Comitê Financeiro do
partido pelo qual concorreu nas últimas eleições, que é o PR (partido
que ele preside).
Porém, concluída essa fase de instrução processual, segundo o MPE,
“constata-se, extreme de dúvidas, que a pretensão inicialmente formulada
foi ratificada pelas provas coligidas ao presente feito”. Com relação à
primeira conversa, a defesa do deputado federal colocou que a
mencionada planilha foi confeccionada pela empresa “HA” e posteriormente
enviada a Flávio Giorgi, como forma de prestação de contas, pois,
ainda, segundo o representado, todas as contratações, bem como os
respectivos pagamentos com locação de veículos foram realizadas pela
própria empresa e não pelo candidato.
“Tal afirmação não passa pelo crivo de um mínimo juízo crítico”,
coloca o procurador, questionando a informação: “Se era a própria
empresa contratada quem efetuava os pagamentos, então porque na planilha
apreendida no computador do principal assessor do representado constava
os dados bancários dos locadores dos veículos?”. Ele responde em
seguida que “a resposta que se impõe é que em relação aos veículos
constantes na mencionada planilha não era a ‘HA’ quem realizava os
pagamentos, mas sim o próprio candidato, e o pior, sem a tramitação
daqueles gastos na conta bancária específica”.
“Naquela planilha consta, também um campo denominado ‘contato’, ou
seja, o nome da pessoa que intermediava a contratação dos locadores dos
veículos em questão. Ora, mais uma vez impõe questionar, se era a
empresa ‘HA’ quem centralizou o serviço de locação de veículos em favor
da candidatura do representado, porque então ele ter o nome dos
‘contatos’ que intermediavam as locações?”, questiona.
O procurador ressalta também que após acesso à movimentação bancária
de algumas das pessoas constantes naquela planilha, após autorização
judicial neste sentido, constata-se que, de fato, os valores lá
especificados foram depositados na conta dos locadores. Cita-se o caso
de Gilcelly Adriano da Silva, que teria recebido R$ 3 mil na data do dia
10 de outubro de 2010, como constava na planilha encontrada. “Apesar de
não ter sido possível identificar quem teria realizado aquela
transferência, o fato do valor e a data do depósito baterem com aqueles
constantes na planilha elaborada por Flávio Giorgi demonstra que, de
fato, quem realizou aquele depósito foi o representado ou alguém de seu
mando”.
Além disso, segundo a alegação final do MPE, “não causa estranheza” o
fato das testemunhas, dentre elas Flávio Giorgi, o proprietário da
empresa “HA” e alguns donos de veículos cujos nomes constam na planilha,
terem corroborado a versão da defesa de João Maia. “Os mesmos, ao que
se vê dos autos, tiram o seu sustento, ou grande parte dele, da
política, ou seja, um é assessor do representado e os demais veículos
locam para campanhas eleitorais”, apontou, acrescentando que se tivessem
“testemunhado ‘contra’ o candidato/representado, não resta dúvida que
eles estariam alijados, nas eleições posteriores, de participar da
campanha de qualquer candidato, pois, como se diz no popular, estariam
‘queimados’”.
Conforme citou o procurador regional, vale lembrar que a peça inicial
do processo movido pelo MPE apontava as irregularidades. “Considerando
todas as circunstâncias que permearam os gastos ilícitos de campanha
objeto da presente representação – realizados de forma absolutamente
clandestina, somente vindo à tona graças ao cumprimento de mandado de
busca e apreensão na residência de um assessor direto do representado -,
bem como o fato de que os recursos empregados para seu financiamento
não transitaram na conta bancária específica de campanha, é evidente que
nenhum recibo eleitoral foi emitido em função de tal arrecadação, o que
se confirma quando da análise da prestação de contas do
candidato/representado João da Silva Maia, cujos recursos oficialmente
arrecadados foram quase que em sua totalidade para financiamento de
outros gastos eleitorais”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário