Faltava apenas a análise do Supremo Tribunal Federal (STF) para saber
se o ex-prefeito de Macau, Flávio Vieira Veras, do PMDB, seria preso ou
não por compra de votos. Faltava. Nesta segunda-feira, o ministro Teori
Zavascki decidiu não receber o agravo movido pela defesa do ex-gestor e
devolvê-lo ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Agora, o processo
volta à máxima Corte eleitoral, onde não há mais a possibilidade de
recurso, e a única dúvida que fica é se a decisão será finalmente
cumprida contra Flávio Veras e a mulher, Erineide dos Santos Silva
Veras, ou se eles ainda conseguirão mais alguma ferramenta jurídica para
protelá-la.
“O plenário desta Corte firmou o entendimento de que não cabe recurso
ou reclamação ao Supremo Tribunal Federal parar rever decisão do
Tribunal de origem que aplica a sistemática da repercussão geral, a
menos que haja negativa motivada do juiz em se retratar para seguir a
decisão da Suprema Corte”, afirmou o ministro, em despacho publicado na
manhã de hoje no processo eletrônico no STF. “Diante do exposto, não
conheço do agravo e determino a devolução dos autos ao Tribunal de
origem a fim de que lá seja apreciado como agravo interno”, acrescentou
Teori Zavascki.
Esse processo que agora chega a seus últimos capitulos não é nada
recente. Em 2005, condenado por compra de voto a três anos e oito meses
de prisão e multa de R$ 10,4 mil, Flávio Veras foi cassado, perdeu o
mandato, mas recorreu, conseguiu se candidatar novamente, venceu e ficou
até o final do segundo mandato evitando a condenação – apesar de ser
derrotado em todas as instâncias possíveis.
Para se ter uma ideia, quando recorreu ao STF, em junho do ano
passado, Flávio Veras já tinha visto a condenação de 2005 ser confirmada
no Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte (duas vezes) e no
TSE (três vezes). “Proferida essa decisão, ele está inelegível porque o
TSE já é um órgão de colegiado e pode ser preso quando ocorrer o
trânsito em julgado dela, no caso, quando ela passar pelo STF”,
explicou, na época, o mestre em Direito Eleitoral e doutor em Direito
Constitucional, Erick Pereira.
Nesse período em 2012, Flávio Veras tinha perdido o agravo regimental
no Recurso Especial Eleitoral, que foi uma possibilidade utilizada pelo
condenado para tentar reverter, no mesmo órgão, uma condenação
anterior. A ementa da análise no TSE apontou: “Prescrição da pretensão
punitiva não configurada. Agravo regimental cujas razões são
insuficientes para infirmar a decisão agravada, proferida nos termos da
jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Súmula 182 do
Superior Tribunal de Justiça Agravo ao qual se nega provimento”.
No agravo regimental de Flávio e Erineide Veras tentaram reverter uma
decisão da relatora Cármen Lúcia, de maio de 2011, por compra de votos
entre agosto e outubro de 2004 – quando o prefeito foi eleito pela
primeira vez nos quase oito anos que ficou como gestor municipal em
Macau. Como a decisão foi mantida por unanimidade no TSE, Flávio Veras
seguiu condenado à prisão junto à mulher, Erineide Veras, que teve uma
pena de um ano e dois meses de prisão e multa de R$ 6.500,00.
A decisão de Cármen Lúcia em 2011 arquivou o recurso de Flávio Veras
que pedia a improcedência da denúncia apresentada pelo Ministério
Público Eleitoral (MPE) que levou à condenação criminal e aplicação de
multa a ele e a mulher, Erineide Veras. Além disso, o casal pedia a
desconstituição do julgamento no Tribunal Regional Eleitoral, para a
inclusão na denúncia dos nomes dos eleitores que teriam negociado seus
votos. Ou ainda a substituição da pena de reclusão por restritiva de
direito, a redução das punições ou a suspensão condicional do processo.
Mesmo condenado, Flávio terminou mandato e elegeu afilhado político
Atualmente investigado pelo MP, o ex-prefeito de Macau Flávio Veras
tem um histórico de irregularidades muito mais antigo. Afinal, só contra
essa condenação à prisão por compra de votos, recorre desde 2005, ou
seja, há quase oito anos. Na primeira vez que foi proferida, inclusive, a
sentença anulou o pleito de 2004, que elegeu Veras, mas não evitou que
ele fosse novamente candidato e, mais uma vez, vitorioso.
Terminou o primeiro mandato e se candidatou a reeleição em 2008.
Venceu de novo. Em 2012, já no segundo mandato, conseguiu candidatar o
afilhado político, Kerginaldo Pinto, também do PMDB, que se elegeu com
forte apoio de Flávio Veras durante o pleito.
A gestão mudou, mas a estrutura e a prática política de Veras
continuaram. Tanto foi assim que o Ministério Público do RN, por meio do
procurador-geral de Justiça, Manoel Onofre de Souza Neto, colocou
Flávio Veras como um dos líderes do esquema de desvio de recursos
públicos por meio da contratação de bandas e serviços para shows na
cidade e, ainda, viu indícios de que o grupo irregular continua agindo
na atual gestão.
Para quem não lembra, O Jornal de Hoje mostrou que no carnaval de
2013, o prefeito Kerginaldo Pinto gastou R$ 4 milhões com a contratação
de bandas e serviços – dois trios elétricos custaram R$ 1 milhão para se
ter uma ideia – o que provocou novamente suspeitas de superfaturamento.
DERROTAS NA JUSTIÇA ELEITORAL
De qualquer forma, se era legal ou não no aspecto administrativo, o
fato é que o processo com relação à compra de votos continuou rendendo
na Justiça Eleitoral. Lá, a ministra Cármen Lúcia descartou um argumento
da defesa de Flávio Veras de que o processo era irregular porque não
citava como réus, também, os eleitores que teriam vendido seus votos e
apenas ele por ter comprado. “Não invalida a denúncia contra eles
oferecida”, analisou a ministra, ressaltando que o Ministério Público
Eleitoral fez uma opção em não denunciar todos os supostos envolvidos.
Com relação aos outros pedidos colocados no recurso de Flávio Veras,
segundo a ministra, o TRE potiguar considerou suficientes as provas dos
autos para caracterizar os delitos e a autoria e condenou os acusados
pela conduta ilícita. Carmen Lúcia destacou que, para alterar essa
posição da corte regional, seria preciso reavaliar fatos e provas, o que
não é permitido em via de recurso especial.
De acordo com a relatora, não é possível no processo substituir as
penas privativas de liberdade por restritivas de direito, pois os
acusados não preenchem os requisitos do artigo 44 do Código Penal para
essa mudança. Além da já citada impossibilidade de reexame de fatos e
provas em recurso especial.
Ao rejeitar a solicitação de redução da pena, a relatora afirma que o
TRE fixou a pena-base no mínimo legal, “motivo pelo qual não entendo
cabível o pedido”. A ministra disse que a fundamentação do acórdão da
Corte Regional mostrou que a condenação não se baseou somente em prova
testemunhal, conforme afirmaram os acusados. Carmen Lúcia entendeu ainda
que as multas estão de acordo com a capacidade econômica dos
denunciados. E não se aplica ao processo o princípio da indivisibilidade
da ação penal, por se tratar de ação penal pública incondicionada.
Por fim, ressaltou a ministra que também era inviável o pedido para a
suspensão condicional do processo, já que, devido à conduta delitiva
continuada dos acusados, as penas impostas ultrapassam o limite previsto
no artigo 89 da Lei nº 9.099/1995. A lei exige para isso pena mínima
igual ou inferior a um ano.