Referência no atendimento a doenças infecto-contagiosas, hospital convive com sérias deficiências
 Profissionais denunciam "genocídio assistido" pela falta de assistência adequada. Foto: Carlos Santos/DN/D.A Press |
"A
sociedade sabe que não existe uma UTI sequer para uma criança com
doença infecto-contagiosa aqui no Giselda Trigueiro? A população sabe
que se uma criança com catapora ou meningite precisar de uma UTI no
Estado ela vai morrer sem assistência? Hoje, nós acolhemos as crianças
doentes e as abandonamos na enfermaria, crianças que precisam de uma
UTI ficam abandonadas à própria sorte na enfermaria. A gente acolhe,
mas doente não precisa só de acolhimento, precisa de médico, de
medicamento, de assistência, e falta tudo isso. A população precisa
saber que pessoas estão morrendo à míngua, que morrem pacientes
diariamente com doenças evitáveis, tratáveis, curáveis, como calazar,
tuberculose, por falta de equipamentos, de estrutura". O relato da
coordenadora do departamento de infectologia da UFRN, Iara Marques, foi
apenas um de tantos depoimentos fortes, reveladores, e revoltados,
durante a primeira visita realizada por representantes do Fórum da
Saúde Pública ao Hospital Giselda Trigueiro.
Durante mais de
três horas representantes do Fórum ouviram de médicos, enfermeiros, e
servidores da saúde em geral, as dificuldades enfrentadas diariamente
na unidade hospitalar. Os problemas apresentados são muitos, e graves.
A médica da UTI do Giselda Trigueiro, Andréa Cavalcante, denunciou a
falta de condições de dar diagnósticos a pacientes HIV positivo.
Segundo ela, quando um paciente HIV positivo apresenta um
comprometimento do pulmão, por exemplo, não há como realizar exames no
Giselda Trigueiro capazes de diagnosticar qual o fungo, o germe, o que
está causando aquele problema pulmonar. E aí entra em cena o "exercício
da adivinhação".
"A sociedade sabe que esse Estado não tem um
hospital para atender pacientes com Aids? A população sabe que esse
Estado não tem um hospital com condições de dar diagnósticos para esses
pacientes e que, quando eles apresentam comprometimento do pulmão ou
cérebro, eles caem em um jogo de adivinhação? Nós não temos como
diagnosticar o que está causando aquela piora e vamos tentando
adivinhar, dando antibióticos sem a certeza de estar oferecendo o
tratamento certo. Atendimentos que eu fiz no pronto-socorro de
hospitais em São Paulo eu não tenho como fazer na UTI do Giselda. O
índice de mortalidade aqui é de 80%, e nós temos bons médicos, mas
fazemos diagnósticos", disse.
A promotora da Saúde, Iara
Pinheiro, destacou que os representantes do Fórum estavam ali
justamente para conhecer a realidade do hospital para, a partir daí,
apresentar propostas concretas ao governo do estado. "Estamos aqui para
ter uma aproximação do Fórum a uma realidade concreta dos serviços.
Quando dizemos que o dinheiro não está chegando existem danos, e é
importante que a gente vá às unidades de saúde para ter a real
percepção das implicações dessa realidade. O Fórum tem uma proposta de
enfrentamento coletivo ao desgoverno que nós estamos vivendo hoje
Estado. Nós estamos buscando saídas para um momento de muita
escuridão", disse a promotora.
A diretoria do hospital Giselda
Trigueiro participou da reunião e compartilhou das angústias e
denúncias dos servidores. As reclamações vão desde a falta de material
básico até a escolha do paciente que irá para um respirador, a escolha
pela vida de alguém.
"Quantas pessoas vão morrer de doenças
infectocontagiosas que têm tratamento desde o século 19 para que o
sistema mude? Até quando nós vamos compactuar com a morte de pessoas
por falta de assistência? A população tem que ter conhecimento da
situação que nós enfrentamos aqui diariamente", disse o diretor técnico
da unidade, Carlos Mosca.
"O que nós vivenciamos no Giselda
diariamente é um genocídio assistido, isso é crime. Eu não estudei para
ver gente morrendo na minha frente por falta de assistência. Saúde é
direito do povo e dever do estado. Nós atendemos pacientes que deveriam
ser recebidos na rede básica, sem ter condições sequer de atender os
nossos pacientes. Trabalhamos sem estrutura, sem o básico, muitas vezes
faltam até luvas. É hora de repensar a saúde, alguma coisa tem que ser
feita", completou a médica Edna Palhares.