A primeira grande seca do século XXI assusta até os mais antigos. Quem
vivenciou as secas de 1953 e 1983, como seu Manoel Olinto, 91 anos, de
Lajes, e seu Manoel Cassiano, 74, de São Rafael, acredita que a
estiagem de 2012 pode acelerar o processo de êxodo rural, já tão
presente no campo. O fenômeno, que em alguns municípios, até se
estabilizou, nos últimos anos, voltou a se intensificar.
Pelos
caminhos da seca, do Agreste ao Oeste potiguar, as estradas vicinais e
de barro, que dão acesso aos povoados mais distantes e às serras levam
a casas abandonadas; comunidades despovoadas e fábricas em decadência.
Nem todos são tão resistentes como seu Olinto. Muitos se retiram do
campo, fadigados pela luta árdua para garantir a sobrevivência.
Segundo
dados do censo Demográfico 2010, entre 1970 e 2010, mais de 157 mil
pessoas deixaram a zona rural. Abandonaram o campo, principalmente,
pela pouca condição de convivência com a seca - um fenômeno natural que
não deveria, mas ainda surpreende a muitos. Nos onze municípios
percorridos pela TRIBUNA DO NORTE, entre 13 e 19 de maio, é evidente o
abandono da zona rural.
Para se ter ideia na terra do seu
Olinto, Lajes até 1970 a população rural era superior a 4 mil
habitantes. Em 2010, os que moravam na zona rural não somavam 2.400
pessoas. O sítio Mulungu, onde mora seu Olinto, já chegou a ser bem
habitado. Tinha inclusive uma escola. Hoje, está praticamente deserto.
Algumas casas até desabaram.
"Tem umas quatro famílias, no
máximo, morando por aqui. Ninguém aguenta essa sequidão", diz Maria do
Socorro, filha de seu Olinto. Além da aposentadoria do pai, o que
sustenta a casa é o pagamento do Bolsa Família. "O meu pai",
acrescenta, "é que diz que vai morrer aqui". A seca que ela considera
"tirana" assusta, mas não esmorece seu Olinto. "Já vi passar muitas
secas brabas, mas como essa somente a de 53, mas enquanto estiver vivo,
continuo no sítio, porque estou fazendo movimento com meu corpo", disse
bem humorado, antes de fazer a pé o caminho de volta pra casa, por seis
quilômetros.
Ele contou que já viu muitos irem embora,
desistirem. "Se eu tivesse morando na rua já estava paralítico",
sentencia. Em Currais Novos, Antônio Gonzaga de medeiros, 64, nasceu no
campo, mas não teve como continuar no campo. Em junho do ano passado,
resolveu se transferir da zona rural para a cidade. "Trabalhava numa
granja e morava numa casinha lá, mas estava fraco e o dono dispensou",
contou o agricultor. Os fazendeiros da região, segundo ele não
contratam mais.
Na região do Serrote do Gama, em Tangará, Maria
Gorete da Silva Dantas, também sustenta a família com os R$ 172,00 que
recebe do bolsa família. É com esse dinheiro", disse a agricultora,
"que a gente atravessa o mês e ainda fica por aqui, por na cidade tudo
é mais caro". Ela tem quatro filhos. O marido não está trabalhando. A
sorte é que a família ainda tem uns 80 quilos de feijão branco, do
plantio de 2011.
Dona Gorete conta que a comida é feita no fogão
de lenha. Há mais de um ano que o gás de cozinha acabou e ela não pode
compra um novo botijão. Seu Francisco Serafim chega já no final da
entrevista e vai logo dizendo "aqui só a sede das fazendas, e está tudo
acabado". No passado, o Serrote do Gama e a Serra do Algodão eram áreas
bem povoadas.
Em Tangará, 2.258 famílias recebem ajuda
instituída no governo Lula. Por mês, o Bolsa Família destina a esse
município, R$ 269 mil. Em Currais Novos, a família de dona Mirian da
Rocha, 66 anos, se divide, desde dezembro de 2011, entre o campo e a
cidade. "A gente tem uma filha doente. Não mais pra morar no campo",
contou. Com R$ 1.200,00 de duas aposentadorias, a dela e a do marido,
sustenta a família.
Os dois filhos homens que ainda vivem sob
sua 'proteção' não trabalham. "É com esse dinheiro que a gente sustenta
essa gente toda e os animais", conta dona Mirian, sem queixas. Das oito
mulheres, três que estavam na casa da cidade recebem o Bolsa Família, e
aguardam a entrega de uma casa própria, em um dos conjuntos populares
construídos pelo governo federal no município. Um dos filhos de dona
Miriam, o caçula, Abraão Tancredo, 24 anos, diz que não há oferta de
trabalho. A esperança, segundo ele, é a abertura de uma mineração de
ouro, que deve gerar 342 vagas de trabalho.
Sertanejo ainda mantém esperançasQuem
vive no meio rural reclama a demora na efetivação das ações, o que
torna insustentável a permanência na zona rural. Ao percorrer onze
municípios, do Agreste ao Médio Oeste do Rio Grande do Norte, a equipe
da TN encontrou agricultores e produtores ávidos por informações, nos
escritórios da Emater, quanto à liberação de crédito. Estão
desesperançosos, apesar dos anúncios de que a ajuda está a caminho.
Em
São Rafael, o agricultor Manoel Cassiano, 74, não tem esperanças de
alcançar os benefícios anunciados pelos governos. "Fui no banco dia
desses e eles me disse disseram que, pela idade, não posso mais ter
crédito", contou. Seu Cassiano ainda mantém um pé no sítio, embora
tenha se retirado do sertão para a cidade. Tentou empréstimo para
custear a ração das 29 cabeças de gado que ainda mantém no sítio.
"Comecei
a plantar capim na vazante da barragem", disse ele, "mas a terra está
secando rápido e o capim queima". Hoje, para sustentar as reses retira
da aposentadoria que recebe. A maioria dos sertanejos que insiste em
viver na zona rural e manter rebanho vive assim. O sertanejo reconhece
que "o problema é que o homem nunca está preparado para conviver com a
seca".
Vai seca, vem seca e os velhos problemas se renovam.
Hoje, quando a luz elétrica chega ao local onde morou, ele já está
longe., Manteve-se fiel ao sertão por mais de 30 anos. "Agora, luto
aqui, mas vivo mesmo na cidade", contou, enquanto mostrava os
arredores da barragem, no povoado Cordão de Palha, área da antiga
Cidade Velha.
Seu Cassiano considera, como a maioria dos
especialistas esta como a maior seca das últimas quatro décadas. Mas
diz que vai "pelejar até quando puder para que seu gado atravesse bem a
seca". Sem esperança de chuva "para fazer recurso [água[", ele acredita
que pode dar "uma chuvada, para fazer rama". Todos os dias, às 4h30 ele
já está nos pés da barragem. Seu Cassiano foi um dos agricultores que
plantou feijão e milho, mas perdeu tudo.
Ele não soube dizer
se tem direito ao seguro-safra. Esse pagamento é feito aos agricultores
cadastrados, que registram perda de safra. A promessa do governo
federal é de antecipar o início do pagamento para junho. No
seguro-safra, além da cota paga pelo agricultor, o governo federal,
estadual e as prefeituras pagam uma parcela. O governo do RN anunciou
que já garantiu o depósito da parte que cabe ao governo, R$ 1,5 milhão.
ENTREVISTABetinho Rosado, secretário estadual de Agricultura
"Pedimos R$ 20 milhões para barragem subterrânea"Que soluções o governo tem para ampliar o acesso a água?Hoje,
a Emater já executa um programa de barragens subterrânea em parceria
com o Ministério do Desenvolvimento Social, que é realizado nas regiões
Central, Seridó e Alto Oeste, e esse convênio é de três milhões de
reais. Pedimos a ministra Tereza Campello para fazer um aditivo de
vinte milhões de reais. A ministra entendeu que essa é uma ação
eficiente para a convivência com a seca. Se não se concretizar os vinte
milhões de reais, pode vir quinze milhões.
E o aproveitamento das águas das barragens?O
aproveitamento direto necessitaria de um projeto de assentamento e
irrigação que não se resolve assim de forma imediato. Essas barragens
deixam 500 quilômetros de rios, com um filete de água e aumentam muito
a água subterrânea. Nós apresentamos ao governo federal um projeto
piloto para aproveitamento dessa água pelos pequenos agricultores que
já estão nas margens. Nós achamos que deve ter de seis a sete mil
agricultores nessas margens e, desse total, pensamos aproveitar cerca
de mil e quatrocentos, sistemas de irrigação, economizadores de água.
E quando pode começar?Esse
projeto entra na programação do 'Água para todos', que passa pela
perfuração de poços, recuperação dos poços já existentes, pela
construção de cisternas e também por sistemas de irrigação. Nossa
intenção é também ajudar os pequenos agricultores a trocar os
equipamentos deles por geradores mais eficientes. Temos proposta nesse
sentido junto ao Ministério das Minas de Energia.
Na prática, quando o homem do campo terá esses benefícios para amenizar o sofrimento?Essas
ações estão sendo amenizadas a todo ano, e a todo tempo. Temos cem anos
de luta, de trabalho e convivência com a seca. A construção das
barragens submersas estava sendo feito ano passado, quando foi um ano
bom de chuva. Então esse processo de convivência com a seca tem sido
contínuo. O precisamos é tomar consciência de que no Nordeste esses
investimentos têm que ocorrer mesmo nos anos de boas chuvas. A gente
relaxa um pouco em anos de de inverno. No Rio Grande do Norte hoje
estima-se que com 25 mil cisternas a gente termine de atender toda a
população rural. Já estamos construindo 18 mil. Então isso é um avanço
enorme.
Linhas de crédito são auxílioO
presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Norte (Faern),
José Álvares Vieira, afirmou, em entrevista à TRIBUNA DO NORTE, na
última quarta-feira, 23, que a expectativa da entidade é de que a
liberação das novas linhas de créditos comece o mais rápido possível. A
inadimplência, que atinge, no mínimo, 65% dos agricultores e produtores
rurais, não deve, segundo ele, inviabilizar os empréstimos, por causa
de um acerto feito com o Governo Federal.
No caso do Pronaf
(Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) o governo
federal abriu linhas de crédito de até R$ 12 mil, com juros de 1% ao
ano, prazo de até dez anos para pagamento, incluindo três anos de
carência. Para os empréstimos até R$ 2,5 mil, o aval será uma garantia
pessoal, ou seja, uma nota promissória. "Se o produtor estiver
inadimplente, ele diz ao banco que quer negociar e pode contrair o
empréstimo", afirmou José Vieira. No caso dessa linha, o produtor
terá, no momento do pagamento, desconto de 40%.
Uma outra linha
de crédito de até 100 mil foi aberta para os que não estão inseridos no
Pronaf, com juros de 3% ao ano, oito anos de prazo para pagamento e
três anos de carência. Para essa linha, as garantias são as normais, ou
seja, hipoteca. Segundo José Vieira, devido à estiagem e ao alto índice
de inadimplência no campo, o governo federal deve anunciar, nos
próximos dias, que para empréstimos até R$ 35 mil serão exigidas apenas
garantias pessoais, a exemplo do Pronaf.
Fora isso, o governo
federal prorrogou as dívidas rurais. No caso do RN, o governo estadual
discute com o Banco do Nordeste um fundo de aval para permitir, segundo
o secretário estadual de Agricultura do RN, Betinho Rosado, que um
número maior de produtores possa solicitar crédito 'sem a necessidade
de garantias reais'. O governo aportaria nesse fundo cerca de R$ 5
milhões para alavancar, ao menos, R$ 50 milhões. "Queremos que isso
alavanque 100 milhões, para viabilizar a fixação do homem no campo",
adiantou Betinho.
Há também uma sinalização do governo federal
de aumentar o valor que paga aos produtores de leite de R$ 0,74 para R$
0,83. Isso permitiria ao governo estadual dar um novo reajuste ao preço
do leite, elevando o valor dos atuais R$ 0,83 para R$ 0,86. O aumento
dado pelo governo, agora em maio foi de R$ R$ 0,03. O governo pleiteia
aumento na participação do governo federal no programa, dos atuais 18%
para 50%. Em todos os estados em que esse programa é executado, 80% dos
recursos são federais.