Há 10 anos, o pároco de Neópolis, Padre Antônio de Araújo Nunes, deu
início a uma celebração mensal que na época reunia cerca de 300
pessoas. Hoje, a missa da Cura e Libertação - que sempre é realizada na
segunda quarta-feira de cada mês - tem público superior a seis mil
pessoas que vão para ouvir as palavras de Padre Nunes na Igreja de
Nossa Senhora Aparecida. Os fiéis ressaltam a linguagem direta e real
da pregação que segue a metodologia tradicional da Igreja Católica.
Missa da Cura completa dez anos e muda rotina do bairroCura
para os males do corpo e, principalmente, para os da alma. É o que
busca os milhares de fieis que lotam a Igreja de Nossa Senhora
Aparecida, em Neópolis, a cada Missa de Cura e Libertação. Um fenômeno
que completa, em agosto, dez anos atraindo um número cada vez maior de
pessoas. Quando começou, lembra o pároco Padre Antonio de Araújo Nunes,
de 47 anos, mais conhecido como Padre Nunes, o público não chegava a
300 pessoas. Hoje, nos três horários, estima-se que mais de seis mil
participem das celebrações, que acontecem uma vez por mês, sempre nas
segundas quartas-feiras. São jovens, crianças, adultos e velhos, dos
mais diversos segmentos sociais, vindas de todo o Estado.
Alex Régis
Missa de cura e libertação completa 10 anos
"Toda
missa é de cura", garante o celebrante. Mas o que faz desta a mais
popular e especial entre os fieis no Estado? Entre os participantes a
resposta é unânime: a pregação. "A linguagem é mais direta, empolga,
emociona. Fala de coisas reais que afetam a gente, toca mesmo na ferida
e traz conforto emocional", analisa o bacharel em direito Sandro
Luciano de Oliveira, 32 anos, que há mais de um ano frequenta o ritual.
"É um compromisso inadiável, todos os meses. Saio daqui aliviado", diz.
A
missa segue a metodologia tradicional da Igreja, apesar de surgir na
época do movimento de Renovação Carismática Católica. E mesmo com a
redução do número de católicos no Brasil, indicada em pesquisa recente
do IBGE, apresenta um movimento inverso e agrega mais e mais pessoas. O
segredo, revela o padre, na homilia são tratadas questões existenciais.
"Se fala da vida, do sofrimento humano, seus receios e anseios, tudo à
luz do evangelho, para que encontrem respostas. E estas respostas
passam pelo perdão. Não há amor sem perdão, porque o perdão cura",
avalia o padre Nunes, para quem toda missa tem o mesmo poder de curar e
libertar. "É a fé em Deus quem cura".
O que muda, segundo
padre Nunes, é a metodologia de cada padre. "A Igreja católica por
muitos anos no Brasil se prendeu a questão quantitativa, por ter o
maior número de declarantes. Há alguns anos, o papa busca o
qualitativo, ter católicos praticantes e não apenas os batizados que
vão a missas em situações de conveniência", diz.
Esta intimidade
peculiar à missa de Cura e Libertação de Neópolis é favorecida ainda
pela preparação do ambiente. Tomado de gente que se acomoda nos bancos,
em cadeirinhas trazidas de casa ou mesmo no chão, dentro ou fora do
templo, após a leitura do evangelho, parte das lâmpadas são desligadas.
À meia luz, os participantes são convidados a baixar a cabeça e fechar
os olhos. É a hora de abrir o coração e pedir as graças. A voz grave do
celebrante assume um tom mais suave e conduz a oração.
Na última
quarta-feira, dia 11, o dia era dedicado a São Bento, o santo padroeiro
da Europa. E o evangelho de João inquiria a todos: "O que vocês estão
procurando?", repetiu inúmeras vezes o padre, durante as celebrações. O
canto faz a igreja estrondar, ao final das preces, quando as luzes
reacendem e o rito da missa continua.
O ponto alto é ao final,
após a eucaristia, quando o celebrante passeia entre as pessoas, com a
hóstia consagrada, o Santíssimo. Para os católicos é o próprio Cristo
que está ali. Mãos estendidas, algumas com fotos de parentes, chaves de
carro, casa, ou ainda medalhinhas e terços. Muitos se ajoelham e choram.
É
um momento de forte emoção e "quando os milagres acontecem", conta a
dona de casa Geralda Lúcia de Macedo Cesário, 54 anos. "Foi nesse
momento que pedi a Deus que curasse a minha irmã de um câncer no útero
e aconteceu. A doença desapareceu surpreendendo os médicos e ela nem
precisou de radio ou quimioterapia", lembra emocionada. Geralda
participa das missas de cura há sete anos e percebe que as mudanças é o
público que aumenta.
Há três anos, Isabel Bezerra, avó do
pequeno Alisson Vieira, de 3 anos, vem agradecer com ele pela cura de
duas hérnia ainda bebê. "Ele nasceu e teve que fazer cirurgias, houve
complicações e durante a missa pedi por ele e prometi que ele
participaria das procissões do dia de Nossa Senhora Aparecida, foi uma
bênção muito grande", diz.
Comércio de rua lucra com celebraçãoAs
ruas tranquilas do bairro de Neópolis se transformam a cada segunda
quarta-feira de todo mês. A movimentação e o trânsito caótico inicia já
nas primeiras horas, quando ainda está escuro. São carros e ônibus que
procuram uma vaga nas ruas adjacentes à Igreja Nossa Senhora de
Aparecida, já a partir das 3h30. "É preciso chegar cedo para conseguir
um bom lugar, sentado. Do contrário, nem onde estacionar, você acha",
diz a autônoma Luciana Sousa, de 42 anos, que diz mal ter dormido para
garantir a vaga.
Luciana veio agradecer por uma cura de um
nódulo no pescoço e a reconciliação do casamento do filho. "Há dois
meses, nessa missa, eu pedi para Deus curar esse nódulo, que havia sido
diagnosticado. Vinte dias depois, o médico disse que havia sumido",
conta.
Aos poucos, vendedores ambulantes, que vendem de tapiocas
e lanches, livros, DVDs a artigos religiosos, também ocupam seus
lugares nos arredores do templo. Há sete anos, o vendedor de água João
Batista Caldas, 56 anos, que começou como frequentador da missa,
percebeu a oportunidade de melhorar a renda e garante que o fluxo é
cada vez maior. "Dá para conciliar a devoção e o trabalho".
Quando
o pároco sobe ao altar, a Igreja já está tomada de gente. Os precavidos
levam banquinhos e cadeiras, quem não consegue lugar nos bancos, se
acomoda nos corredores e calçadas.
Na primeira missa, às 5h, o
público é formado mais por executivos, empresários e profissionais
liberais e universitários, que buscam favores espirituais, antes de
seguir para a correria de todo o dia. O silêncio, a esta hora da manhã,
torna a celebração mais reflexiva do que as outras duas, que ocorrem às
17h e às 19h30. Apesar de contar com cerca de 1,5 mil pessoas
resistiram ao friozinho e chuva fina das primeiras horas da manhã, para
participar do rito matutino.
Se a multidão de fieis pela manhã
chama atenção, à tarde o número quase três vezes maior, surpreende
ainda mais. A partir das 13h30, os lugares começam a ser marcados. O
público dessa vez é formado por famílias com crianças e grande número
de caravanas vindas de todas as regiões do Estado. Todos os espaços
dentro e ao redor da igreja são tomados. Nos corredores e na nave da
igreja, pessoas se acomodam no chão. Trafegar é tarefa difícil mesmo
para o padre e ministros, que transitam durante o ofertório, comunhão e
passeio do Santíssimo.
Os 30 minutos entre uma celebração e
outra marca o movimento de pessoas saindo e chegando, até o endereço
estar novamente lotado. À noite, a presença de jovens é maior. Muitos
vem direto do trabalho, faculdade ou colégio. Em grupos, com namorados
ou em família. O tom é mais animado.
Nestas duas celebrações, as
ruas precisam ser fechadas e contam com a vigilância da polícia, devido
a grande concentração de pessoas. Quem mora ali, não consegue entrar ou
sair das garagens. O fluxo de veículos causa congestionamento.
Homilias são ponto alto da celebraçãoUma
das principais atrações das missas de cura são as homilias do pároco da
Igreja de Nossa Senhora Aparecida, em Neópolis, padre Antônio Nunes
Araújo, 47 anos, mais conhecido como Padre Nunes. Dono de uma voz
grave, ele também é cantor, militante político e excelente orador -
daqueles que têm o dom de comover as plateias mais heterogêneas que se
aglomeram, uma vez por mês, para ouvir pregar a palavra.
Padre
Nunes é o segundo de uma família de quatro irmãos e o único que optou
pela vida religiosa. Foi a figura do padre Eurico, da infância na
cidade de Almino Afonso, "um alemão gordo, desdentado e com um charuto
na boca", lembra ele, que despertou no menino de sete anos, a vontade
de ser padre "mesmo sem entender o que seria isso", acrescenta. A
vocação, entretanto, teve forte influência a partir do convívio com a
avó paterna, Alcina Maria, católica fervorosa, que ensinou a rotina de
orações e missas.
Aos 17 anos, ingressou no Mosteiro dos
Carmelitas, em Pernambuco, para de lá sair padre. Há 25 anos é
sacerdote, 23 deles dedicados ao pastoreio em Neópolis. Antes passou
pela Diocese de Caruaru. Questionado sobre o que o levou a tal escolha
entre tantas profissões e o mantém firme até hoje, o religioso é
enfático: "Nunca duvidei da minha vocação. Se dez vezes eu nascesse,
dez vezes eu iria querer e ser padre. É este serviço que me realiza".
A
carreira de cantor nasceu como complemento ao sacerdócio e já se
prepara para lançar o quarto CD de músicas sacras. A própria Igreja no
bairro, explicou o padre, passou a cobrar maior atuação no ministério
de música. "A música é uma forma de envolver. Sempre digo que o canto é
um forte instrumento de evangelização", afirma.
Padre Nunes é
formado em Teologia e Filosofia. Já foi funcionário, por diversos
períodos, na Secretaria de Estado de Educação e Cultura (SEEC), também
atuou no gabinete da Prefeitura de Natal, durante seis anos, e ainda de
São Gonçalo do Amarante, onde exerceu a função de secretário municipal
de juventude, esportes e lazer.