segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Grande personalidade do Movimento Escoteiro fala sobre juventude e educação


Grande personalidade do Movimento Escoteiro fala sobre juventude e educação
O ex-presidente-executivo dos Escoteiros da França e ex-secretário geral adjunto  da Organização Mundial do Movimento Escoteiro, Dominique Bénard possui uma rica experiência em voluntariado e já vivenciou o Escotismo e o benefício da educação não formal em diversas perspectivas. Hoje ele está envolvido em diversos projetos no Afeganistão e reforça a importância dos trabalhos voluntários que desenvolveu ao longo dos anos. Dominique Bérnard frisa, inclusive, que esses cargos são tão relevantes quanto suas posições profissionais.


Para ele, “a verdadeira força do Movimento Escoteiro é sua enorme rede de voluntários”. E por ser um grande nome no Escotismo, Dominique Bérnard será um dos palestrantes da primeira edição do Congresso Nacional Escoteiro de Educação, que acontece entre os dias 22 e 24 de novembro em Hong Kong, na China. O evento reunirá pessoas de mais de 200 países e territórios onde há escoteiros para debater e trocar experiências sobre os aspectos educacionais do Movimento. Todo o congresso será transmitido online e você pode acompanhar pelo site www.worldscouteducationcongress.org.

A equipe do Congresso Mundial Escoteiro de Educação (WSEC) teve o privilégio de conversar e discutir com Dominique Bénard sobre vários temas – incluindo seu discurso no evento, sua percepção da juventude de hoje, e seus pensamentos sobre a educação formal e a não formal, entre muitos outros tópicos. Abaixo você confere o bate-papo com um dos grandes nomes do Escotismo Mundial.


WSEC: Você pode explicar, em poucas palavras, o conteúdo do seu discurso no Congresso?

Dominique:
Eu comecei a minha carreira profissional como psicólogo no sistema de ensino na França, e a partir deste momento eu fiquei convencido de que é impossível transmitir valores, habilidades e conhecimentos para os jovens apenas por meio de aulas. Conforme demonstrado por pesquisas, a única maneira de apoiar os alunos na aquisição de valores, habilidades e conhecimentos é propor-lhes um ambiente de aprendizagem baseado na experiência, no diálogo e na cooperação. Assim, a minha palestra é entitulada: "A aprendizagem por meio da experiência, do diálogo e da cooperação". Eu acredito que estes são os pilares do Método Escoteiro e que o sistema de educação formal também deve adotar essa abordagem.

WSEC: O que é "juventude" para você?
Dominique: Juventude tem um duplo significado para mim. Primeiro, é uma época da vida em que os seres humanos têm de enfrentar uma série de desafios, dificuldades e até perigos. Vamos pensar em como a transição da adolescência para a idade adulta é, nos dias de hoje, difícil e dura em muitas partes do mundo para milhões de jovens que procuram encontrar um lugar na sociedade. Mas a juventude é também um estado de espírito. O General Douglas MacArthur escreveu: "A juventude não é um período de tempo, é um estado de espírito, um resultado da vontade, uma qualidade da imaginação, uma vitória da coragem sobre a timidez, do gosto pela aventura sobre o amor ao conforto". Concordo plenamente com esta definição e me atrevo a dizer que, mesmo com quase 72 anos, eu ainda me sinto jovem. O Escotismo é capaz nos ensinar a permanecer jovem ao longo de toda a sua vida, ou seja, para ser um agente de mudança. Eu acredito que a missão da juventude tem sido sempre trabalhar para mudar e melhorar o mundo e lutar contra as forças do conservadorismo e imobilidade.

WSEC: Em uma época em que a educação formal está captando cada vez mais e mais métodos da educação não formal, como você vê o surgimento de um espaço misto, chamado de Escola Aberta?
Dominique: Este poderia ser um sonho e um objetivo para o futuro. É por isso que eu trabalho para a promoção de uma abordagem de aprendizagem por meio da experiência, do diálogo e da cooperação, mas, infelizmente, eu visitei muitas escolas em muitos países e posso dizer-lhe que o velho sistema de ensino, a abordagem da “educação bancária”(1) , como era chamada por Paulo Freire, ainda existem em todas as partes do  mundo - inclusive no meu país. Este é um sistema de ensino em que alunos são "folhas em branco" para que os professores os encham de informações, em que os alunos sentam-se passivamente e absorvem informações, sem ter o direito de cooperar com os outros nem de explorar por si só. Um sistema em que ideias abstratas são memorizadas por meio de regras e, em seguida, aplicadas a outros problemas enlatados. Este sistema é a fonte da violência que existe em muitas escolas. Infelizmente, com frequência, eu vi professores se tornarem voluntários no Escotismo e importarem para o nosso Movimento este sistema tradicional. É por isso que eu dou as boas vindas ao 1º Congresso Mundial Escoteiro de Educação (com Eduardo Missoni, em 2007, por ocasião do centenário do Escotismo, organizamos um evento similar). Espero que o evento gere iniciativas e projetos que colaborarão para que as coisas caminhem em outra direção: Líderes Escoteiros têm um papel na educação formal, transformando-a em uma verdadeira "escola aberta" .


  1. Freire – “defendia uma educação assumidamente ideológica” – propunha uma prática de sala de aula que pudesse desenvolver a criticidade dos alunos e condenava o tradicionalismo da escola brasileira, que chamou de “educação bancária”, em que o professor deposita o conhecimento em um aluno desprovido de seus próximos pensamentos. Tal sistema, diz, só manteria a estratificação das classes sociais, servindo o ensino de mero treinamento para a formação de massa de trabalho. Contrariamente, Freire propunha a construção do saber de forma conjunta, em que o professor se aproxima dos conhecimentos prévios dos estudantes, para com essas informações serem capazes de apresentarem os conteúdos aos alunos, que teriam poder e espaço para questionar os novos saberes.


WSEC: O que você percebe como as principais ameaças para o Movimento Escoteiro em todo o mundo?
Dominique: Eu vejo três principais ameaças. A primeira é o perigo de o Movimento Escoteiro sua unidade e sua especificidade. A força do Movimento foi a sua extraordinária capacidade de se adaptar a diferentes culturas, e isso deve ser preservado, mas a dificuldade está em manter sua unidade e sua especificidade quanto aos seus propósito e método. A especificidade do Método Escoteiro - "aprender por meio da experiência, do diálogo e da cooperação " deve ser preservada e promovida. A segunda ameaça para o Movimento Escoteiro é perder a sua independência, pois, como ele ainda tem um poder incrível de atrair os jovens, vários grupos que são externos do Escotismo - governos, instituições religiosas, partidos políticos, etc - querem usar este poder para seus próprios interesses. A terceira ameaça que eu vejo é a falta de pensamento crítico que existe em vários níveis do Movimento. O que os escoteiros gostam acima de tudo é o sentimento de unidade e este entusiasmo, por vezes, os leva a evitar o pensamento crítico sobre o seu próprio Movimento, a fim de ver seus pontos fracos e trabalhar para melhorá-los. Devemos prestar atenção à tendência exagerada de auto-congratulação que muitas vezes ocorre em nosso Movimento.

Em poucas palavras ...

WSEC: Se você estivesse em Hong Kong por apenas uma tarde, de que sessão(ões) participaria?
Dominique: "Descubra as diferenças: participação juvenil, envolvimento e empoderamento", porque, de acordo com minha experiência, este ainda é o ponto fraco do Movimento Escoteiro ao redor do mundo. Em muitos lugares, os líderes ainda não entenderam que o Método Escoteiro é baseado no envolvimento dos jovens na tomada de decisões e na força da juventude. Com muita frquência, o sistema de patrulha é apresentado e percebido apenas como um sistema de trabalho em pequenos grupos, embora seja um sistema de envolver os jovens na tomada de decisões e de valorizar a força da juventude.

WSEC: Quem é a pessoa que mais influenciou em sua vida escoteira?
Dominique: Um ex-presidente-executivo da Scouts de France chamado Michel Rigal que me mostrou a importância do Ramo Pioneiro. Eu acredito fortemente que a qualidade de um programa Escoteiro não é medido pelo número de crianças e jovens que entram no Movimento a cada ano, mas o número de jovens adultos que saem do Movimento a cada ano com a motivação e as habilidades necessárias para contribuir e desempenhar um papel ativo na sociedade.

WSEC: Além de B-P, quem você considera como grandes contribuintes (como educadores) para o desenvolvimento da teoria da educação não formal?
Dominique: Pessoalmente, eu tenho três referências na educação. São três grandes figuras que trouxeram uma nova visão da educação: Robert Baden-Powell, é claro, porque ele construiu o  maior e mais atraente Movimento juvenil no mundo. Célestin Freinet, um educador francês que tentou mudar o sistema escolar por meio da introdução de uma aprendizagem ativa e cooperativa em sala de aula. E Paulo Freire, o grande educador brasileiro que inventou a educação popular através do diálogo.

WSEC: Você acredita que alguma das percepções da B-P são obsoletas na sociedade atual por elas representaram uma posição fortemente influenciada pelo “Eduardismo” (rei Eduardo VII do Reino Unido) quando foram desenvolvidas?
Dominique: É óbvio que alguns escritos de B-P possuem aspectos obsoletos hoje - particularmente as passagens de "Caminhos para o sucesso", o livro que ele escreveu para os pioneiros. No entanto, se você ler "O guia do chefe escoteiro” ou alguns artigos que ele escreveu antes e depois da Primeira Guerra Mundial no “Headquarters Gazette” ou no Jamboree, você ficará  surpreso por seus aspectos visionários e seu alto valor para a educação contemporânea.

WSEC: Que habilidades escoteiras lhe foram mais úteis em sua vida adulta?
Dominique: Senso de humor, a capacidade de olhar a vida com alegria e fazer amigos, amor à natureza, a capacidade de observar situações e pessoas, pensar criticamente, empatia e capacidade de compartilhar com os outros, capacidade de "pensar fora da caixa" e encontrar soluções inovadoras, senso prático e a capacidade de viver com coisas simples .

WSEC: Você acha que nós devemos ter faixas etárias minimas e máximas para a adesão ao Escotismo? Qual é, na sua opinião, a idade mínima que uma criança seria  capaz de "receber" uma Educação Escoteira e qual seria a idade limite?
Dominique: Sim, eu acho que há uma tendência perigosa em nosso Movimento de ampliar demais a faixa etária do Program Escoteiro. O Método Escoteiro é  cooperativo, por isso não pode ser aplicado às crianças que ainda não desenvolveram a capacidade de cooperar com os outros. Além disso, o Escotismo é um movimento de jovens e para jovens, então eu acho que os cães velhos como eu, mesmo que tenham mantido o espírito da juventude, devem  deixar seu lugar para as pessoas mais jovens.

Tradução e adaptação

Equipe Nacional de Imagem & Comunicação

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