Auxiliar no transporte entre o Brasil e as principais capitais da
América do Sul, além de atender as necessidades das embaixadas, trazendo
com isso uma maior integração entre os países do Mercosul e do
continente sul-americano. No papel, esse é o objetivo do jato C99,
segundo a Força Aérea Brasileira (FAB). Na realidade, as funções da
aeronave vão bem mais além, sobretudo, quando diz respeito ao
atendimento a vontades e desejos de lideranças políticas nacionais. Um
exemplo disso foi o vôo feito por um C99 para levar o presidente da
Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves, do PMDB, e parte da
família, para ver a final da Copa das Confederações, entre Brasil e
Espanha, no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro. Essa, por sinal, foi
a notícia mais lida do portal do jornal Folha de São Paulo durante toda
a manhã de hoje.
Não era para menos, tanto que a matéria do jornalista Leandro Colon,
de São Paulo, teve repercussão imediata nas redes sociais, fazendo a
“FAB” ficar boa parte da manhã entre as palavras mais citadas no
Twitter. A informação do voo de Henrique e família, publicada primeiro
pelo noticiário paulista, por sinal, já era de conhecimento d’O Jornal
de Hoje, mas a confirmação de que havia sido num avião da Força Aérea
não tinha surgido.
Isso só aconteceu, realmente, com a Folha de SP, que chegou a
publicar até o itinerário do vôo do jato C-99: O avião veio buscar
Henrique e família em Natal, decolou às 19h30 de sexta-feira rumo ao Rio
de Janeiro e retornou no domingo, às 23h, após o jogo. Família, aí, se
compreenda como: a noiva de Henrique, Laurita Arruda, dois filhos e um
irmão dela, o publicitário Arturo Arruda, com a mulher Larissa, além de
um filho do presidente da Câmara. Um amigo de Arturo, segundo a Folha,
teria ainda conseguido “carona” de volta no vôo para Natal.
Segundo o jornal, o jato C99 tem capacidade para 14 passageiros e,
como havia lugares vagos, Henrique achou por bem convidar sete pessoas
para embarcar na viagem que, por mais que o presidente da Câmara tivesse
algum compromisso políticos na capital carioca, foram para o Rio apenas
para ver ao jogo do Brasil. Tanto é que não viram problemas em tirar
várias fotos e colocar nas mídias sociais para ilustrar a visita ao
“Maraca”.
Se os “caronas” não tinham compromissos oficiais, ainda resta a
dúvida se o parlamentar realmente tinha. Isso porque o presidente até
informou que tinha solicitado o avião porque tinha um encontro com o
prefeito Eduardo Paes (PMDB), no sábado, e “como havia disponibilidade
de espaço na aeronave, familiares acompanharam o presidente em seu
deslocamento”.
No entanto, esse encontro não foi confirmado pela assessoria de
imprensa da Câmara dos Deputados, assim como também não foi registrada
pela comunicação do prefeito carioca – a Folha ressalta que o “almoço”
entre eles realmente aconteceu e ainda mais com a presença do senador e
pré-candidato a presidência da República, Aécio Neves (PSDB-MG).
De qualquer forma, uma viagem para assistir a final da Copa das
Confederações ou um almoço com perfil político com um dos líderes da
oposição ao governo que Henrique Alves é aliado não parecem ser quadros
que se encaixem no decreto 4244/2002, que disciplina o uso de aviões da
FAB por autoridades. Afinal, por ele, os jatos podem ser requisitados só
quando houver “motivo de segurança e emergência médica, em viagens a
serviço e deslocamentos para o local de residência permanente”.
REPERCUSSÃO
É importante lembrar que a viagem de Henrique Alves e a família ao
Rio de Janeiro não rendeu apenas uma notícia que foi reproduzida nos
principais veículos do Brasil – primeiro na Folha, depois no portal
Terra, Uol e Globo.com. Repercutiu também em forma de comentários e –
muitas – críticas em blogs e jornais, a postura do potiguar presidente
da Câmara dos Deputados. O jornalista da Folha, Gilberto Dimenstein, foi
um dos primeiros a tocar no assunto, publicando um texto nada amistoso,
intitulado “Devolva hoje o dinheiro, deputado”.
Na curta dissertação, Dimenstein afirmou que “apesar das revoltas em
todo o país, contra a corrupção e o desperdício, o presidente da Câmara,
Henrique Alves, não se preocupou em levar a família para o Maracanã
usando um avião da FAB. É simplesmente inacreditável a falta de
percepção das consequências do que está ocorrendo no Brasil, onde a
intolerância com os políticos e os partidos está aumentando, colocando
em risco até mesmo a crença na democracia. Afinal, não há democracia sem
partido”.
E não foi só. Segundo Dimenstein, “justamente nesse momento que o
chefe de um dos Poderes comporta-se de forma desprezível com o dinheiro
público, como se não soubesse que o assunto futebol e os estádios
viraram símbolo de desrespeito. Será que eles não aprendem nunca e não
perceberam que a sociedade está cada vez mais irritada e atenta? O
mínimo que o presidente da Câmara deveria fazer é devolver o dinheiro
das passagens aos contribuintes. E ainda pedir desculpas. E hoje”.
Essa, por sinal, não foi a única repercussão no jornal Folha. Vera
Magalhães, editora do Painel, colocou um texto intitulado “‘Vôos da
alegria’ são marcas do patrimonialismo”. Na análise, ressaltou que “o
presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), reeditou, ao
requisitar avião da FAB para levar parentes e amigos de Natal ao Rio de
Janeiro, para assistir à final da Copa das Confederações, uma velha e
resiliente marca da política brasileira: o patrimonialismo”.
Como Vera Magalhães frisou, as redes sociais facilitaram tornar
público o que, tradicionalmente, foi um costume dos políticos que
raramente vinha à tona. “Graças à euforia dos parentes de Alves com a
seleção, alegremente compartilhada em fotos sorridentes no Instagram, o
repórter Leandro Colon puxou o fio da meada que liga o “voo da alegria”
potiguar a outros famosos casos de confusão entre público e privado”,
explicou a jornalista, citando outros casos semelhantes durante o texto.
Realmente, as mídias sociais ajudaram e muito na divulgação da
notícia, aliadas a comentários irônicos dos “twitteiros de plantão”. “Tô
querendo ir na Bahia ver minha vó. Será que o deputado Henrique me
emprestava o avião da FAB? Viagem de Henrique e família no avião da FAB é
batom na cueca. Não tem justificativa. Não tem perdão”, afirmou o
jornalista Jackson Damasceno.
Além dele, Paulo Celestino colocou que “Henrique Alves gosta tanto de
avião que quer batizar o novo aeroporto do RN com o nome do pai dele”.
Miranda Sá escreveu que “Henrique Alves dá argumentos para protestos de
rua: usou jato da FAB para ir ao Rio ver o jogo do Brasil”.
Alexandre Norman, Thyago Macedo e Lauro Rocha também ajudaram a
ironizar o fato, tuitando, respectivamente, que: “FAB inaugura ponte
aérea Natal-Maracanã visando os ‘menos abastados da classe média
potiguar’”; “Depois da Revolta do Busão, teremos a Revolta do Avião (da
FAB)?” e “Sério que a FAB lançou pacote turístico para a Copa das
Confederações?”
Fonte: Jornal de Hoje